quarta-feira, 5 de maio de 2010

Lançando novo disco, Rufus Wainwright dispara: 'Preciso salvar os jovens da Lady Gaga'


LONDRES - Um belíssimo sinal de que os 30 minutos de conversa com Rufus Wainwright fugirão do ordinário vem antes mesmo de ele sequer abrir a boca. Nestes tempos em que gravadoras e artistas apelam para hotéis de luxo e outras piruetas promocionais, Wainwright marca o encontro com o GLOBO numa das simplórias lanchonetes do Saddler Wells, o teatro off West End em que, na véspera, o cantor e compositor fizera um dos primeiros shows da turnê do novo álbum ("All days are nights: Songs for Lulu").

Horas antes de uma metamorfose, pois o palco do Saddler naquela noite abrigaria uma encenação de "Prima Donna", a ópera escrita por Wainwright em 2008, o longilíneo cantor americano chega sozinho ao teatro, acompanhado apenas de uma caneca de café para espantar os efeitos do fuso horário - ele chegara ao Reino Unido apenas dois dias antes - e de um sobretudo de couro marrom primeiramente mais notado pelos poucos clientes da lanchonete.

leia a crítica do disco 'songs for lulu'

- Você não vai se incomodar se eu roubar um batata, certo? Ainda não tive tempo de almoçar - pergunta Wainwright ao mesmo tempo em que já põe a mão no pacote de salgadinhos que, na verdade, fora comprado pela assessora da gravadora Universal presente à cena, talvez desacostumada à ausência dos bufês e dos carrinhos de chá normalmente incluídos em rodadas de entrevistas.

O cansaço de Wainwright é físico e emocional. Em janeiro, depois de uma longa batalha com um raro tipo de câncer, sua mãe, a também cantora Kate McGarrigle, morreu. Deixou desconsolado um filho que era a ela muito mais ligado por conta dos conflitos com o pai, o também cantor e músico canadense Loudon Wainwright III, que abandonou a família quando Rufus e a irmã, Martha, eram bem jovens. Uma relação que transpareceu no trabalho do primogênito e que só se acertou quando Kate ficou doente. Tal mistura de sentimentos, naturalmente, transbordou para o novo disco.

- Naturalmente, tinha muita coisa para dizer neste álbum. Mas nem tudo é tristeza. Minha mãe era uma pessoa maravilhosa, e eu fiquei feliz por ela ao menos ter tido a chance de ver "Prima Donna", na apresentação que fizemos em Manchester no ano passado - conta Wainwright, ainda brincando com a batata furtada.

Parte das memórias do tempo passado com a mãe tem ligação direta com o Brasil. O cantor se lembra com carinho da turnê em família que fez com Kate e Martha em maio de 2008, quando, passando por Rio, Brasília e São Paulo, enfim teve a chance de se embrenhar num país que conheceu por uma jornada musical atípica. Sim, Rufus gosta de Tom Jobim e Caetano Veloso, mas guarda entusiasmo maior para a voz de Maria Bethânia, enquanto seu lado clássico aprecia Bidu Sayão, a diva da ópera brasileira.

- Que voz aquela mulher tinha!

Ele explica, porém, que a decisão de fazer de "All days are nights" um álbum minimalista em termos logísticos, reduzido praticamente a sua voz e seu piano, teve muito mais a ver com um desafio artístico que lançou contra ele mesmo. Após trabalhos tão diversos quanto a ópera e o show de tributo a Judy Garland, chegou a hora de um projeto mais simples. Ainda que simplicidade no mundo de Rufus Wainwright inclua adaptações de três sonetos de Shakespeare em meio a nove canções originais.

- Estava decidido a fazer um disco em que pudesse responder às minhas dúvidas sobre minha capacidade de tocar piano. Eu queria ter a chance de me expressar no instrumento em que me criei. Mas claro que aproveitei também para tirar algumas coisas do peito - explica ele.

As metamorfoses de Wainwright não vão parar na aventura pelo canto lírico e no intimismo. Os próximos projetos incluem o que ele classifica como um álbum pop e um musical, por mais que o mundo da música tenha mais exemplos de decepções nas tentativas de transição. O artista, porém, há algum tempo vem mostrando que não sofre de carência afetiva em relação à crítica e ao público. E nem tem medo do insucesso - "Prima Donna", por exemplo, teve um sério impacto em suas finanças.

- Sinto-me na obrigação de trazer alguma coisa diferente, sobretudo para a turma mais nova. Preciso salvá-los da Lady Gaga. Nada contra ela pessoalmente, mas sim contra um gênero que hoje em dia está cada vez mais estéril - alfineta ele.

E que alguém neste mundo não se sinta obrigado a seguir a fórmula é um alívio.

FONTE:http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=/cultura/mat/2010/05/04/lancando-novo-disco-rufus-wainwright-dispara-preciso-salvar-os-jovens-da-lady-gaga-916495863.asp

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